Porque o Remdesivir é considerado um fármaco potencial para o tratamento da COVID-19?
O Remdesivir é um medicamento antiviral de amplo espectro (possui atividade contra membros de várias famílias de vírus) incluindo o filovírus, causador da doença Ebola, e dos coronavírus SARS-CoV e MERS-CoV. Devido a conhecida ação desse medicamento, ele foi visto como um potencial fármaco contra o vírus SARS-Cov-2 com o advento do surto da COVID-19. Atualmente ele encontra-se em estudo para validação ou não de sua ação contra o SARS-Cov-2 e é apontado como o principal medicamento para reposicionamento, ou seja, validação de um medicamento já existente para o tratamento de uma nova doença, a COVID-19.
E como esse fármaco atua?

O Remdesivir foi desenvolvido pela empresa Gilead Science e sua estrutura química é análoga (semelhante) a um componente do material genético (nucleotídeo). O Remdesivir é metabolizado (quebrado) dentro das células e produz um metabólito, que é uma substância chamada GS441524 (Figura 1).
Essa molécula gerada é capaz de se ligar a um segmento do material genético do vírus e inibir a atividade da enzima polimerase dependente de RNA (RdRp), uma enzima importante para a replicação viral (Figura 2).

A inibição da tradução do RNA viral promovida pela molécula bioativa do Remdesivir impede a produção das proteínas que compõem a estrutura do vírus, como o nucleocapsídeo, a proteína spike, a membrana e o envelope viral. O medicamento age portanto, inibindo a replicação do vírus dentro das células (Figura 3).

E como está o andamento das pesquisas científicas desse fármaco para o tratamento da COVID-19?
O Redemsivir apresentou resultados promissores em testes realizados in vitro (experimentos em laboratório) e in vivo (macacos Rhesus e seres humanos infectados com COVID-19).
Estudo realizado com um pequeno grupo de pacientes com COVID-19 (estudo de coorte), que estavam gravemente doentes e foram tratados com Remdesivir compassivamente (tratamento, ainda não totalmente avaliado, destinado a doentes que não têm outras opções) demonstrou o melhor resultado de tratamento para a COVID-19 até o momento.
Além disso, em fevereiro de 2020 a Organização Mundial de Saúde (OMS) relatou que dois ensaios clínicos terapêuticos com Remdesivir foram priorizados e cotou esse medicamento como um fármaco de grande potencial e como melhor candidato para o tratamento do COVID-19.
Diante dos resultados preliminares sobre Remdesivir, a Food and Drug Administration (FDA) emitiu uma Autorização de Uso de Emergência em 1 de maio de 2020 (modificada em 28 de agosto de 2020), para permitir o uso de Remdesivir para tratamento em adultos e crianças hospitalizadas com suspeita ou confirmação laboratorial de COVID-19 nos EUA. O Remdesivir também recebeu aprovação total ou condicional em vários outros países desde então.
Recentemente foi publicado um estudo duplo-cego, randomizado e controlado por placebo que verificou que a terapia com Remdesivir foi benéfica no tratamento da COVID-19. Nesse estudo, conduzido pelo National Institutes of Health (NIH), os pacientes tratados com Remdesivir tiveram uma melhora clínica mais rápida em comparação aos pacientes que foram tratados com placebo e os dados do estudo também sugeriram que o tratamento pode ter prevenido a progressão para doença respiratória mais grave.
No entanto, no dia 15 de outubro de 2020 a OMS relatou por meio de nota oficial que o medicamento não é eficaz contra a COVID-19. De acordo com o estudo, os medicamentos analisados, incluindo o Remdesivir, mostraram pouco ou nenhum efeito sobre a mortalidade ou na redução de tempo de internação para pacientes hospitalizados com o novo coronavírus. Os resultados do ensaio estão sob revisão para publicação em um jornal médico.
E esse medicamento possui algum efeito adverso?
Os efeitos adversos mais comuns apresentados por pacientes com COVID-19 que foram tratados com Remdesivir foram o aumento das enzimas hepáticas, diarréia, erupção cutânea, insuficiência renal e hipotensão.
Pacientes com COVID-19 tratados com Remdesivir apresentaram alta toxicidade no fígado. No entanto, essa toxicidade no fígado também é frequente em pacientes infectados que não foram tratados com este medicamento. Portanto, ainda não se sabe se esse efeito é relacionado ao fármaco ou foi ocasionado pela doença, ou uma combinação das duas coisas: fármaco e doença. O perfil de segurança e efeitos colaterais do Remdesivir em pacientes com COVID-19 exigem uma avaliação mais adequada em estudos controlados.
Por Déborah Giovanna Cantarini em 23/04/2020.
Atualizado em 31/10/2020.
Referências:
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*Ilustrações por Biorender.